por Francisco dos Santos
Proliferação de templos no país faz aumentar vigilância de autoridades sobre funcionamento de igrejas evangélicas.
A reabertura do templo-sede da Igreja Mundial do Poder de Deus, em São Paulo, no dia 3 de março, pode ter sido o fim de uma batalha espiritual no entender do apóstolo da denominação, Valdemiro Santiago, e de seus fiéis. Mas na prática foi apenas um capítulo a mais na queda de braço cada vez mais forte entre o poder público e as igrejas evangélicas. Não se trata, como alardeiam determinados líderes, de uma luta das trevas contra a luz – embora, em certas situações, a má vontade de gestores públicos contra organizações religiosas fique evidente. Após veementes protestos, nos quais denunciou perseguição religiosa e ensaiou um protesto popular que não ocorreu, a Igreja Mundial contratou técnicos para deixar o prédio de acordo com a legislação. O que chamou a atenção no caso, iniciado em dezembro passado, quando a prefeitura da capital paulista lacrou o imóvel na Rua Carneiro Leão, no bairro do Brás, por falta alvará de funcionamento e problemas de higiene e segurança, é a precariedade com que igrejas são instaladas. Realizam-se cultos em galpões sem qualquer estrutura e até mesmo em pequenos sobrados e garagens residenciais.
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O templo da Igreja Mundial lacrado, vigiado pela Guarda Metropolitana: caso reacendeu discussão sobre legalização de espaços de culto |
Se, por um lado, o processo representa a
abertura de mais espaços para a pregação do Evangelho, por outro, seus
frequentadores são submetidos ao desconforto ou, pior ainda, ao perigo. Foi
assim em 1998, quando o templo da Igreja Universal do Reino de Deus instalado
num antigo supermercado de Osasco (Grande São Paulo) veio abaixo durante um
culto, deixando 25 mortos e quase 500 feridos. Constatou-se depois que as vigas
de sustentação do telhado, de madeira, tinham apodrecido e ninguém as trocou.
Mais recentemente, o principal templo da Igreja Renascer, no centro de São
Paulo, caiu no dia 18 de janeiro do ano passado. Nove fiéis morreram e outros
cem tiveram ferimentos. As ações de indenização correm na Justiça, e enquanto a
igreja esforça-se por reabrir logo sua sede, o Ministério Público (MP)
suspendeu o alvará que autorizava a reconstrução.
O que acontece na maior cidade
brasileira é típico. O MP estadual e a Prefeitura de São Paulo realizam
rondas permanentes pelos bairros, notificando responsáveis e até lacrando
imóveis fora das condições legais de uso. Cerca de 500 templos foram interditados
e mais de quarenta, fechados na capital paulista. Segundo consta, a maioria das
autuações é contra igreja evangélicas, ainda que uma simples inspeção
constataria irregularidades em centenas de clubes, bares e boates abertos ao
público. “Sempre que há denúncia, fazemos inspeções”, informa o secretário de
Controle Urbano, Orlando de Almeida. Ele rechaça a suspeita de que a Secretaria
tenha as garras mais afiadas contra os imóveis de uso religioso: “Fazemos
diligências para reprimir irregularidades independente do tipo de
estabelecimento”. De acordo com a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras,
as autuações não acontecem apenas por documentação irregular, mas também por
excesso de barulho nos cultos.
Inadequação é a regra – “A
imensa maioria dos templos que proliferaram em São Paulo funcionam em lugares
adaptados como cinemas e teatros, que não oferecem condições de segurança.
Noventa por centro dos imóveis com este uso não são adequados a abrigar o fluxo
de pessoas que recebem”, confirma Edin Sued Abmanssur, professor da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) e autor do livro As moradas de Deus (Fonte Editorial),
sobre o espaço físico de igrejas pentecostais na capital. “A fiscalização é
falha e não há muito controle sobre esses locais”, admite o superintendente do
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), Ademir Alves do Amaral.
Segundo ele, qualquer alteração em local onde haja concentração de pessoas deve
ser acompanhada por um profissional. “Até vibração sonora pode abalar uma
estrutura já comprometida”, avisa.
A fiscalização
é dificultada porque abrir
legalmente uma igreja evangélica no Brasil é coisa das mais fáceis, e em tese
qualquer pessoa pode tornar-se um líder espiritual, independente de formação
teológica. Com pouco mais de 100 reais é possível organizar juridicamente uma
instituição religiosa; depois, basta um cantinho qualquer para as reuniões e
pronto. Em São Paulo, só no caso de templos com capacidade para quinhentas
pessoas ou mais é necessário autorização do Departamento de Controle de Uso de
Imóveis (Contru)“O ordenamento jurídico nacional abrange normas federais,
estaduais e municipais que regulamentam a atuação das organizações religiosas”,
lembra o advogado Gilberto Garcia. “É preciso observar o que está estabelecido
no Plano Diretor de cada município e regulamentos como o Estudo de Impacto de
Vizinhança”. Mas proibições, mesmo, inexistem, de modo que somente depois de
verificado um problema, e quase sempre após uma denúncia ou acidente, é que o
poder público pode fazer algo. Os números confirmam: de acordo com dados da
prefeitura, a cada dois dias nasce uma nova igreja na Grande São Paulo.
“Esse fenômeno acontece com
mais intensidade no Sudeste”, aponta o coordenador nacional de pesquisas no
Instituto Brasil 21 e missionário de Servindo Pastores e Líderes (Sepal), Luis
André Bruneto. “Isso se dá por dois motivos básicos: concentração populacional
e concentração de renda”. A migração religiosa é outro fenômeno que alimenta o
processo. Em média, uma a cada três pessoas já mudou de crença, aderindo à fé
protestante, de acordo com levantamento do Centro de Estudos da Metrópole. Em
Brasília, a situação não é diferente – conhecido pela grilagem de terras
públicas, o Distrito Federal abriga mais de oitocentos templos em situação irregular.
De acordo com a Terracap, empresa que cuida da ocupação do solo em Brasília e
no seu entorno, igrejas evangélicas funcionam em áreas públicas sem contrato de
concessão de uso, ou com autorização já vencida. Fica no ar a impressão de que
a proliferação de igrejas no contexto urbano está descontrolado.
Diluição do sagrado – A
multiplicidade das denominações e igrejas livres, no Brasil, é um fruto
positivo da liberdade de crença – contudo, envolve também a flexibilização de
alguns valores. “Em muitos lugares, a caracterização de templo tem se diluído
na mesma velocidade do crescimento”, acrescenta Luis Bruneto, da Sepal. Ele
enxerga certa perda do sagrado. “No passado, o templo era lugar santo. Hoje, é
um espaço multiuso, muitas vezes criando sincretismos religiosos”. No entender
do presidente do Fórum dos Secretários de Missões das Assembleias de Deus do
Nordeste, a explosão das igrejas, que se observa também nas áreas
metropolitanas daquela região, deriva da personalização dos ministérios.
“Muitas congregações, ainda que grandes e ricas, estão estribadas no nome de
seu pastor”, aponta o pastor Francisco Paixão Cordeiro.
O fundamento deste ideal de
crescimento, de acordo com professor Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do
Sul, tem princípios na Reforma Protestante, segundo a qual cada fiel pode
construir sua linha de pensamento “A abertura de templos improvisados em
garagens e edificações de todo tipo constitui uma longa tradição no
pentecostalismo”, esclarece o especialista. Ele explica ainda que, nos
primórdios do movimento, a primeira igreja pentecostal fundada em Los Angeles,
nos Estados Unidos, teve início num imóvel onde antes funcionava um estábulo.
“Isso se deve ao evangelismo conduzido por leigos, também tradicional nos meios
pentecostais. Há a legitimidade das cismas nos meios protestantes, uma vez que
a igreja, a tradição e a hierarquia eclesiástica não detêm a posse exclusiva da
verdade divina”, acrescenta.
“Esse crescimento das igrejas tem acontecido pelo
simples fato de que pessoas transformadas atraem outras pessoas”, lembra o
pastor Costa Neto, da Igreja Comunidade Cristã Videira, em Fortaleza (PE), que
atende 1,7 mil pessoas em seu instituto social. O testemunho, neste caso, faz
toda diferença e é um dos pilares de crescimento na região. No entanto, há quem
peça uma revisão, em prol do futuro, para que esse crescimento não apenas seja
feito dentro das regras legais de urbanização como também com espiritualidade.
“É preciso uma nova elaboração da teologia da fé evangélica da oração, que busque
priorizar não somente os aspectos formais, mas sobretudo, uma relação com Deus
mais profunda”, apela o pastor Estevam Fernandes, da Igreja Batista de João
Pessoa (PB).
Irmão Alexandre, a paz do Senhor.
ResponderExcluirOtimo texto, e que Deus continue o abençoando.
Cleverson
muito obrigado pela companhia Alexandre, meus parabens pela dedicacao a nos leitores. Honra lhe seja dada, abraco SAL.
ResponderExcluirsalnageral.blogspot.com